quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ainda é incerto modelo de negócios da comunicação

ARENA DO MARKETING - ALEXANDRE GAMA

Primeiro brasileiro a assumir o criativo de uma rede global diz que sua meta hoje é fortalecer as lideranças locais

MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
Quando a Publicis adquiriu a rede inglesa BBH e a agência brasileira Neogama/BBH, há dois anos, o publicitário Alexandre Gama foi alçado a líder criativo global da rede --tornando-se o primeiro brasileiro a assumir o posto em uma rede mundial.
"Meu trabalho tem sido tornar as lideranças locais fortes localmente", diz Gama, que foi entrevistado nesta segunda-feira (25) no Arena do Marketing, evento organizado pela Folha em parceria com a faculdade ESPM.
"Procuramos fazer um intercâmbio das ideias criativas de cada um dos sete escritórios da rede no mundo. Mas não interfiro no trabalho local. Dou as metas e critérios de qualidade e desafio os criativos locais a manter a barra alta."
Gama diz que segue próximo da criação na agência brasileira, apesar do cargo global. "Quando você se distancia da sua atividade principal ao exercer um cargo superior, é como uma queda para o alto", diz ele, que hoje busca inspiração em música, videoarte e novas tecnologias.
"O acesso que a tecnologia tem dado a formas de expressão é incrível e muito inspirador. Para quem passou a vida fazendo vídeos, ouvir de um filho que você não sabe fazer um vine' [serviço de criação e compartilhamento de vídeos curtos lançado pelo Twitter] de 6 segundos é muito revelador."
Gama assina campanhas famosas como a dos homens azuis da TIM ou o vídeo "Gigante", para a marca de uísque Johnny Walker.
INCERTEZAS
As transformações provocadas pela internet na indústria da comunicação geram ainda muita incerteza, na visão do publicitário.
"Respeito muito a rede. Decifra-me ou te devoro. Mas não está claro qual o modelo de negócio que vai prevalecer para financiar a comunicação on-line. Ainda está todo mundo tateando."
Gama diz que as incertezas atingem não apenas as agências tradicionais, mas também aquelas que nasceram no mundo digital. "Tem muita agência digital criando uma divisão off-line para se viabilizar financeiramente."
Na sua opinião, a comunicação vai precisar "mudar mais profundamente" para poder se adaptar.
"Há uma pressão grande por baixar custos, mas pouca pressão para gerar mais valor. Claro que custo é que nem cabelo, você tem sempre que cortar. Mas tem uma hora em que você tem que estar do lado de quem planta."
Para Gama, o fato de a publicidade estar incluída no balanço das empresas na coluna de gastos, e não na de investimento, é erro.
"Toda vez, quando o ano acaba, a conversa é a mesma, precisamos conversar sobre custos. É covardia tentar resolver a produtividade só pelo lado do custo."
Na sua visão, a criatividade da propaganda brasileira, reconhecida mundialmente, tem origem em uma deficiência da indústria cultural nacional. "A propaganda brasileira foi a trincheira cultural do Brasil por muito tempo", diz. "Não havia mercado de trabalho para escritores, cineastas, artistas plásticos, e essas pessoas foram parar na redação das agências."
Embora acredite que a publicidade brasileira segue em destaque em termos de criatividade, Gama vê limitações em termos de linguagem. "A publicidade acompanha o que acontece na sociedade. Na Europa, a comunicação das marcas vai no sentido de menos empurrar e mais atrair. Mesmo na comunicação do varejo. Também há uma agressividade, mas é diferente. Fala-se menos, é muito mais visual e conceitual." Folha, 27.08.2014.
www.abraao.com

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Vento Nordeste

NIZAN GUANAES

Se o Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos

O que acontece no Nordeste às vezes fica no Nordeste. Por isso é importante ir lá explorar esse grande "país" de mais de 50 milhões de habitantes e PIB que cresceu 4% nos cinco primeiros meses do ano, ante menos de 1% da média nacional.
Os nordestinos ajudaram a construir São Paulo e agora estão desenvolvendo o Nordeste. Em dez anos, a renda média do nordestino teve cerca de 30% de aumento real. A região é uma das mais beneficiadas pelo forte aumento do salário mínimo e pela expansão dos programas sociais e distributivos.
Essa nova realidade ainda está longe de esgotar seus impactos socioeconômicos. O desalento que se percebe em círculos sudestinos não é percebido nos nordestinos. Muitas empresas estão de olho na região, principalmente o varejo.
O bom de o Brasil ser um país continental é que permite às nossas empresas diversificar geograficamente sem mudar de país. Se o novo Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos. Inclusive no Nordeste profundo, dada a grande penetração do salário mínimo e dos programas sociais.
Enquanto as previsões de crescimento para a economia brasileira em 2014 estão perto de 1%, para o Nordeste passam de 2%. E o Sudeste neste ano, pela primeira vez na história, deixará de concentrar mais da metade do consumo nacional.
As grandes deficiências nordestinas, que persistem e ainda dão o tom, servem como mapa do caminho. Não dá mais para esperar pela melhora dos serviços públicos essenciais, educação de qualidade incluída, ao custo de perdermos mais gerações.
As taxas de homicídio nas grandes cidades nordestinas, por exemplo, são aterrorizantes e devem ser enfrentadas como calamidade pública regional.
Avançamos muito nos últimos 20 anos, mas ainda vivemos um momento desafiador e cheio de oportunidades. O momento em que as pessoas crescem e ficam mais exigentes.
Salvador, por exemplo, depois de anos largada, ganhou novo vigor com a chegada de ACM Neto à prefeitura. Eu estava muito preocupado com a cidade, patrimônio nacional e universal. Ela passou por um processo de esvaziamento e engarrafamento. Perdeu a beleza que sempre fez dela uma cidade tão especial. Mas está lutando de volta, reencontrando suas vocações no século 21. Que virão de seu DNA de cultura, de turismo, de comércio.
Não podemos desperdiçar esse impulso econômico que empurra o Nordeste. Devemos torná-lo sustentável e fazê-lo transformador. Precisamos incentivar o empreendedorismo nato do nordestino. O sucesso na região não pode ser só o emprego público. É preciso dar um salto aspiracional.
A economia nordestina já está mais diversificada, com novos polos industriais e de agronegócio, novas regiões turísticas, nova infraestrutura e mão de obra mais qualificada.
Mas é pouco contra os velhos problemas. É preciso fazer um trabalho, que é nacional, para desenvolver o setor de serviços e modernizar o ambiente de negócios a fim de estimular o empreendedorismo e a inovação.
Quando o Nordeste encontrar seu caminho, o Brasil terá encontrado seu caminho.
O professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger publicou um trabalho em 2009, quando era secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, chamado "O Desenvolvimento do Nordeste como Programa Nacional", disponível na web.
Mangabeira partiu de duas premissas para elaborar suas propostas: 1) Não há solução para o Brasil que não passe por uma solução para o Nordeste --a região concentra um quarto da população brasileira e grande parte dos bolsões de pobreza e subdesenvolvimento do país; 2) Falta um projeto nacional para o Nordeste.
O Nordeste precisa de um planejamento estratégico que leve em consideração as vocações de cada Estado e as vocações comuns que eles têm entre si.
Neste início de corrida eleitoral, o Nordeste precisa ser tema nacional e estadual. Como não podia deixar de ser, a política também está mudando na região.Folha, 05.ago.2014