quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Todo consumidor gosta de enganar em pesquisas

Para José Eustachio, presidente da agência Talent, é preciso saber fazer as perguntas certas e também interpretar as respostas

MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
As pesquisas de mercado continuam relevantes para informar as marcas e as agências. Mas é preciso saber como conduzi-las para extrair respostas sinceras.
"O consumidor gosta de enganar pesquisas", diz José Eustachio, 57, presidente da agência Talent. "Ele costuma dar as respostas que acredita que o entrevistador gostaria de ouvir, que são politicamente mais aceitáveis e que o promovam. Não é sincero."
Para Eustachio, que participou nesta segunda-feira (17) do Arena do Marketing, evento realizado pela Folha em parceria com a ESPM, o consumidor tende a mentir mais em pesquisas quantitativas "do tipo xizinho, com 5.000 pessoas, feitas em pé na avenida Paulista".
Mas, mesmo nas qualitativas, falta sinceridade e, para driblar isso, diz ele, é preciso saber fazer as perguntas certas e ter repertório para interpretar as respostas.
Contar com profissionais de sociologia e psicologia também pode ajudar a iluminar as respostas.
Para o professor Ismael Rocha, diretor acadêmico da ESPM-SP, que dividiu com Eustachio o palco do Arena, pesquisa "não é um corrimão", que te guia até a resposta. "Ela te abre um cenário. Daí a necessidade de repertório para os profissionais que leem as pesquisas", disse Rocha.
E esse repertório, na visão de Eustachio, constrói-se com curiosidade e cultura: "É preciso ler e ler de tudo. Não apenas livros de marketing. Não existe consumidor, mas pessoas. E você aprende muito sobre pessoas lendo livros".
EMOCIONAL
Com tantas marcas competindo pela atenção do consumidor, destacam-se aquelas que conseguem se relacionar com seu lado emocional. "As pessoas compram com a emoção. Não com a razão. Isso explica por que alguém que só anda na cidade compra um carrão para andar no mato."
Por isso, diz ele, a comunicação tem que seduzir. "Tem que ser uma verdade, mas apresentada de forma que encante. Não pode ser chato. As pessoas toleram qualquer coisa, menos os chatos."
Para Eustachio, o ser humano está o tempo todo em busca de compensações e suas escolhas como consumidor atendem a esse anseio.
"As pessoas compram para se sentir importantes, modernas, ricas ou até mais bonitas. É da natureza humana sempre buscar o prazer e fugir do desconforto", diz.
"Não é por acaso que há fila em restaurante e não para tomar vacina."
NENHUMA BRASTEMP
Durante o bate-papo, Eustachio contou os bastidores de um dos bordões mais famosos da agência, que entrou para o repertório popular: "Não é, assim, nenhuma Brastemp".
A frase surgiu após pesquisas com consumidores.
No início dos anos 1990, a fabricante de eletrodomésticos estava sofrendo concorrência de preço.
A marca procurou a Talent para fazer uma campanha que mostrasse que seus produtos eram diferentes.
A agência foi então a campo e entrevistou um grupo de consumidores que havia comprado Brastemp e outro que comprara produtos de concorrentes.
"Descobrimos que a marca era percebida como sendo de qualidade pelos dois grupos. Mas quem tinha comprado falava orgulhoso: comprei uma Brastemp. Quem havia comprado outra marca quase que pedia desculpas por não ter comprado Brastemp. Uma dizia: Foi meu marido que comprou, nem me perguntou'."
Desse insight, contou o executivo, surgiu a ideia de fazer uma campanha humorada falando do "consumidor envergonhado".
Agência que se destaca pelo relacionamento de longo prazo com clientes, a Talent assina campanhas que ficam bastante tempo no ar, como "o mundo é dos NETs" e "Passa lá no Posto Ipiranga".
"Trabalhamos com poucos clientes --16, quando agências do mesmo porte têm cerca de 30-- para podermos dedicar tempo para cada um deles", diz Eustachio.
O Arena é realizado mensalmente no estúdio de rádio da ESPM em SP, com transmissão ao vivo pela internet. Folha, 19.11.2014.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ainda é incerto modelo de negócios da comunicação

ARENA DO MARKETING - ALEXANDRE GAMA

Primeiro brasileiro a assumir o criativo de uma rede global diz que sua meta hoje é fortalecer as lideranças locais

MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
Quando a Publicis adquiriu a rede inglesa BBH e a agência brasileira Neogama/BBH, há dois anos, o publicitário Alexandre Gama foi alçado a líder criativo global da rede --tornando-se o primeiro brasileiro a assumir o posto em uma rede mundial.
"Meu trabalho tem sido tornar as lideranças locais fortes localmente", diz Gama, que foi entrevistado nesta segunda-feira (25) no Arena do Marketing, evento organizado pela Folha em parceria com a faculdade ESPM.
"Procuramos fazer um intercâmbio das ideias criativas de cada um dos sete escritórios da rede no mundo. Mas não interfiro no trabalho local. Dou as metas e critérios de qualidade e desafio os criativos locais a manter a barra alta."
Gama diz que segue próximo da criação na agência brasileira, apesar do cargo global. "Quando você se distancia da sua atividade principal ao exercer um cargo superior, é como uma queda para o alto", diz ele, que hoje busca inspiração em música, videoarte e novas tecnologias.
"O acesso que a tecnologia tem dado a formas de expressão é incrível e muito inspirador. Para quem passou a vida fazendo vídeos, ouvir de um filho que você não sabe fazer um vine' [serviço de criação e compartilhamento de vídeos curtos lançado pelo Twitter] de 6 segundos é muito revelador."
Gama assina campanhas famosas como a dos homens azuis da TIM ou o vídeo "Gigante", para a marca de uísque Johnny Walker.
INCERTEZAS
As transformações provocadas pela internet na indústria da comunicação geram ainda muita incerteza, na visão do publicitário.
"Respeito muito a rede. Decifra-me ou te devoro. Mas não está claro qual o modelo de negócio que vai prevalecer para financiar a comunicação on-line. Ainda está todo mundo tateando."
Gama diz que as incertezas atingem não apenas as agências tradicionais, mas também aquelas que nasceram no mundo digital. "Tem muita agência digital criando uma divisão off-line para se viabilizar financeiramente."
Na sua opinião, a comunicação vai precisar "mudar mais profundamente" para poder se adaptar.
"Há uma pressão grande por baixar custos, mas pouca pressão para gerar mais valor. Claro que custo é que nem cabelo, você tem sempre que cortar. Mas tem uma hora em que você tem que estar do lado de quem planta."
Para Gama, o fato de a publicidade estar incluída no balanço das empresas na coluna de gastos, e não na de investimento, é erro.
"Toda vez, quando o ano acaba, a conversa é a mesma, precisamos conversar sobre custos. É covardia tentar resolver a produtividade só pelo lado do custo."
Na sua visão, a criatividade da propaganda brasileira, reconhecida mundialmente, tem origem em uma deficiência da indústria cultural nacional. "A propaganda brasileira foi a trincheira cultural do Brasil por muito tempo", diz. "Não havia mercado de trabalho para escritores, cineastas, artistas plásticos, e essas pessoas foram parar na redação das agências."
Embora acredite que a publicidade brasileira segue em destaque em termos de criatividade, Gama vê limitações em termos de linguagem. "A publicidade acompanha o que acontece na sociedade. Na Europa, a comunicação das marcas vai no sentido de menos empurrar e mais atrair. Mesmo na comunicação do varejo. Também há uma agressividade, mas é diferente. Fala-se menos, é muito mais visual e conceitual." Folha, 27.08.2014.
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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Vento Nordeste

NIZAN GUANAES

Se o Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos

O que acontece no Nordeste às vezes fica no Nordeste. Por isso é importante ir lá explorar esse grande "país" de mais de 50 milhões de habitantes e PIB que cresceu 4% nos cinco primeiros meses do ano, ante menos de 1% da média nacional.
Os nordestinos ajudaram a construir São Paulo e agora estão desenvolvendo o Nordeste. Em dez anos, a renda média do nordestino teve cerca de 30% de aumento real. A região é uma das mais beneficiadas pelo forte aumento do salário mínimo e pela expansão dos programas sociais e distributivos.
Essa nova realidade ainda está longe de esgotar seus impactos socioeconômicos. O desalento que se percebe em círculos sudestinos não é percebido nos nordestinos. Muitas empresas estão de olho na região, principalmente o varejo.
O bom de o Brasil ser um país continental é que permite às nossas empresas diversificar geograficamente sem mudar de país. Se o novo Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos. Inclusive no Nordeste profundo, dada a grande penetração do salário mínimo e dos programas sociais.
Enquanto as previsões de crescimento para a economia brasileira em 2014 estão perto de 1%, para o Nordeste passam de 2%. E o Sudeste neste ano, pela primeira vez na história, deixará de concentrar mais da metade do consumo nacional.
As grandes deficiências nordestinas, que persistem e ainda dão o tom, servem como mapa do caminho. Não dá mais para esperar pela melhora dos serviços públicos essenciais, educação de qualidade incluída, ao custo de perdermos mais gerações.
As taxas de homicídio nas grandes cidades nordestinas, por exemplo, são aterrorizantes e devem ser enfrentadas como calamidade pública regional.
Avançamos muito nos últimos 20 anos, mas ainda vivemos um momento desafiador e cheio de oportunidades. O momento em que as pessoas crescem e ficam mais exigentes.
Salvador, por exemplo, depois de anos largada, ganhou novo vigor com a chegada de ACM Neto à prefeitura. Eu estava muito preocupado com a cidade, patrimônio nacional e universal. Ela passou por um processo de esvaziamento e engarrafamento. Perdeu a beleza que sempre fez dela uma cidade tão especial. Mas está lutando de volta, reencontrando suas vocações no século 21. Que virão de seu DNA de cultura, de turismo, de comércio.
Não podemos desperdiçar esse impulso econômico que empurra o Nordeste. Devemos torná-lo sustentável e fazê-lo transformador. Precisamos incentivar o empreendedorismo nato do nordestino. O sucesso na região não pode ser só o emprego público. É preciso dar um salto aspiracional.
A economia nordestina já está mais diversificada, com novos polos industriais e de agronegócio, novas regiões turísticas, nova infraestrutura e mão de obra mais qualificada.
Mas é pouco contra os velhos problemas. É preciso fazer um trabalho, que é nacional, para desenvolver o setor de serviços e modernizar o ambiente de negócios a fim de estimular o empreendedorismo e a inovação.
Quando o Nordeste encontrar seu caminho, o Brasil terá encontrado seu caminho.
O professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger publicou um trabalho em 2009, quando era secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, chamado "O Desenvolvimento do Nordeste como Programa Nacional", disponível na web.
Mangabeira partiu de duas premissas para elaborar suas propostas: 1) Não há solução para o Brasil que não passe por uma solução para o Nordeste --a região concentra um quarto da população brasileira e grande parte dos bolsões de pobreza e subdesenvolvimento do país; 2) Falta um projeto nacional para o Nordeste.
O Nordeste precisa de um planejamento estratégico que leve em consideração as vocações de cada Estado e as vocações comuns que eles têm entre si.
Neste início de corrida eleitoral, o Nordeste precisa ser tema nacional e estadual. Como não podia deixar de ser, a política também está mudando na região.Folha, 05.ago.2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

JORNALISTAS: Ranking de impunidade tem Síria em 5º e Brasil em 11º

A Síria está em quinto no ranking de países onde jornalistas são mortos e os responsáveis não são punidos, informou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas. O Iraque lidera a lista, que traz o Brasil em 11º lugar.

    terça-feira, 15 de abril de 2014

    NIZAN GUANAES: Ouvido social


    Os consumidores não só estão falando pelas marcas como estão sendo escutados por elas
    Costumo dizer que tudo o que ofende o consumidor recebe a penalidade máxima, que é o desprezo do consumidor. Se isso era verdade no século 20, é muito mais verdade neste século 21.
    As marcas estão cada vez mais nas mãos dos consumidores.
    Eles não só estão falando pelas marcas como estão sendo escutados por elas. É o que os americanos chamam de "social listening".
    Não só é preciso como também é cada vez mais possível ouvir a polifonia social em relação ao seu produto e à sua marca. O feedback é incalculável. Toneladas de informações são despejadas todos os dias nas mídias sociais --jazidas imensas e renováveis que estão sendo crescentemente garimpadas para direcionar vendas, produção e marketing.
    Grandes marcas globais já lançaram produtos baseados nesse tipo de interação. Elas hoje têm formas muito mais eficientes e rápidas de coletar e analisar o pensamento dos seus consumidores espalhados pelo mundo para determinar o desenvolvimento de novos produtos e readequar os já disponíveis no mercado.
    Pesquisa recente nos EUA aponta que o uso de mídia social na criação de novos produtos cortou custos e reduziu o tempo de elaboração e lançamento. A pesquisa revelou ainda que os produtos produzidos dessa forma ganharam mais mercado e mais aceitação dos clientes.
    Os "focus groups" (grupos focais), que foram criados na Universidade Columbia, em Nova York, e se espalharam pelo mundo décadas atrás, sempre mostraram seu valor na aquisição de conhecimento de mercado. Até hoje, eles consistem basicamente na reunião de um grupo de pessoas representativas do setor que se quer pesquisar ao qual é submetida lista de perguntas sobre percepções, opiniões e atitudes em relação a um determinado produto, serviço ou conceito.
    Os participantes desses grupos estão livres para dar suas ideias e trocar opiniões com os outros. Mas formam um universo muito limitado em números de pessoas e estão sempre guiados pelas perguntas do entrevistador/moderador do encontro.
    Essas entrevistas guiadas seguirão tendo seu valor. Mas agora existe um turbilhão de registros espontâneos sobre as marcas e os produtos espalhados da forma mais abrangente possível pela sociedade consumidora em termos de demografia, renda e geografia.
    É muita informação, ubíqua e intermitente. No Brasil, ela é ainda mais valiosa que em mercados já maduros porque aqui há muito mais para ser compreendido.
    O mercado brasileiro ganhou dezenas de milhões de novos consumidores nos últimos anos, um avanço que não deve ser subestimado e que veio para ficar.
    É um novo consumidor, mas ele não é novo por igual. Não existe só uma nova classe média. O novo consumidor da Amazônia quer produtos diferentes do novo consumidor do Nordeste, que quer produtos diferentes do novo consumidor do Sudeste e assim por diante. As empresas que entenderem (ouvirem) primeiro seus desejos, suas diferenças e também suas semelhanças terão mais luz no caminho.
    Esse movimento em direção ao consumidor (na economia) e ao cidadão (na política) é global.
    Os EUA, maior economia do mundo, sempre foram o símbolo de país movido por consumo. Agora a segunda economia do mundo, a China, reorienta sua economia nessa direção. O modelo de crescimento chinês baseado em exportações, produção e investimentos atingiu seus limites e é reorientado para o consumo pelo próprio Partido Comunista.
    O Brasil está nessa há muitos anos. Os economistas, aliás, dizem que essa corda já esticou demais e que agora precisamos crescer via investimentos e produtividadeAssim seja. Mas as dezenas de trimestres em que o consumo das famílias avançou no país deixaram como legado um mercado consumidor muito maior, mais diversificado e mais exigente.
    Precisamos ouvi-lo em todos os níveis. As ferramentas estão aí.
    O Brasil sempre teve ouvido musical. Agora precisa de ouvido social.
    Folha, 15.04.2014

    Pulitzer premia série sobre esquema de espionagem nos EUA: Principal prêmio para o jornalismo no mundo foi para o britânico "Guardian" e o americano "Washington Post"

    Ambos basearam suas reportagens em material vazado pelo ex-técnico de segurança Snowden, hoje exilado na Rússia
    ISABEL FLECKDE NOVA YORK
    A série de reportagens que revelou o amplo esquema de espionagem do governo americano por meio da Agência de Segurança Nacional (NSA) deu ao jornal britânico "The Guardian" e ao americano "The Washington Post" o Pulitzer, o mais prestigiado prêmio de jornalismo do mundo.
    Segundo a Universidade Columbia, responsável pela premiação, a cobertura dos jornais "estimulou um debate sobre a relação entre o governo e o público em temas de segurança e privacidade".
    "As reportagens foram além de documentos vazados. Vivemos momentos desafiadores para o jornalismo, mas os vencedores são exemplos do bom jornalismo praticado no país", declarou o administrador do Pulitzer, Sig Gissler.
    O ex-técnico da NSA Edward Snowden, que vazou os documentos para o jornalista americano Glenn Greenwald e está asilado na Rússia, disse, em nota, que o prêmio é um "reconhecimento para os que acreditam que o povo tem um papel no governo".
    "Devemos isso aos esforços dos bravos repórteres, que continuaram trabalhando, mesmo sob enorme intimidação, incluindo a destruição forçada de materiais jornalísticos e o uso inadequado de leis de terrorismo", afirmou Snowden.
    Segundo Gissler, o nome de Greenwald não foi citado por essa ser a única das 14 categorias em que o prêmio é dado aos jornais, e não aos repórteres.
    Greenwald, que mora no Brasil, chegou a Nova York na sexta passada --em sua primeira viagem aos EUA após a publicação das reportagens-- para a entrega do Prêmio George Polk, também de jornalismo, pela série da NSA. Em outubro, Greenwald deixou o "Guardian".
    A editora-chefe do "Guardian" nos EUA, Janine Gibson, disse, por e-mail, estar grata pelo reconhecimento, após "um ano intenso e exaustivo", de que o trabalho realizado representa "uma grande realização para o serviço público".
    Por ser um prêmio destinado a organizações americanas ou com sede nos EUA, o Pulitzer foi dado à sede do "Guardian" em Nova York.
    Para o editor executivo do "Washington Post", Martin Baron, os jurados "reconheceram que essa era uma história extremamente importante, mas também especialmente sensível e difícil".
    Entre os livros, a escritora americana Donna Tartt, 50, levou o prêmio de melhor ficção, por "The Goldfinch". Com 784 páginas, o livro foi descrito pelo júri como "um romance sobre envelhecimento escrito de maneira bela, que estimula a mente e toca o coração". O romance sai no Brasil em setembro, pela Companhia das Letras.
    Folha, 15.04.2014

    quarta-feira, 9 de abril de 2014

    CRÍTICA DOCUMENTÁRIO/É TUDO VERDADE: Filme expõe inquietações permanentes do jornalismo


    O DIRETOR JORGE FURTADO CRITICA REPORTAGENS E FAZ UM ÁCIDO PAINEL DA PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS
    ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
    Para que serve o jornalismo? Quais são os interesses subterrâneos numa notícia? Existe a tal neutralidade? Qual o poder da publicidade nos veículos? A internet vai acabar com os jornais impressos? Qual a força dos blogs?
    Inquietações permanentes e dúvidas mais recentes sobre o jornalismo são o foco de "O Mercado de Notícias", documentário de Jorge Furtado. Para tratar do tema, ele colheu depoimentos de 13 jornalistas e encenou uma peça teatral de 1625.
    A comédia "The Staple of News" [o mercado de notícias, em tradução livre] é do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572-1637), contemporâneo de William Shakespeare. Aborda com ironia o jornalismo, exposto como um negócio no nascente capitalismo.
    Cenas dessa sátira servem de fio condutor e são intercaladas por entrevistas com jornalistas como Janio de Freitas, Mino Carta, Luis Nassif, Geneton Moraes Neto, Fernando Rodrigues, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete.
    Ética, inclinações políticas, interesses empresariais, falhas de apuração, erros: vários são os pontos analisados pelos profissionais. O cineasta critica reportagens, inclusive da Folha. O resultado é um ácido painel da produção de notícias, um reconhecimento das limitações e dos desafios da profissão.
    Os depoimentos percorrem temas como relações entre repórteres e fontes de informação, pressões políticas e de editores, arrogâncias, sensacionalismos, afoitezas, distorções de edição.
    Furtado pincela alguns tópicos da história geral do jornalismo, mas seu alvo são as vicissitudes atuais, que, de resto, expõem as questões de fundo que movem o trabalho.
    Rapidamente, o documentário fala da imprensa antes do golpe de 1964 --quando os jornais tinham nítidas colorações políticas-- e da sua adesão ao regime ditatorial.
    Entrevistados enxergam hoje em posições da mídia contra o governo do PT um inconformismo das elites e uma expressão da luta de classes. Entra no debate o conceito de Millôr Fernandes, para quem jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados.
    A força dos anúncios nos meios também é enfocada. De um lado, aparecem críticas ao uso da publicidade oficial. De outro, surge o argumento de que, como empresas capitalistas, os jornais são editados essencialmente para conter publicidade.
    A discussão sobre o impacto da internet fica em aberto: ninguém se arrisca a fazer previsões firmes sobre modelos de negócios e novas fórmulas de cobertura. Janio de Freitas afirma: "A culpa está nos jornais, não na internet". Para ele, "o jornalismo depende dos jornalistas".
    Folha, 09.04.2014

     
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    quinta-feira, 27 de março de 2014

    Novo serviço do 'NYT' quer atrair usuários de aparelhos móveis

    Mais barato que assinatura regular, ele terá resumos curtos e conteúdo de outros jornais
    DO "FINANCIAL TIMES"
    O "New York Times" está lançando um serviço de assinatura mais enxuto para os usuários de aparelhos móveis, como parte de seus esforços para alargar a base de assinantes do jornal e conquistar novos leitores.
    O serviço NYT Now estará disponível a partir de 2 de abril e custará US$ 8 a cada quatro semanas, mais barato que uma assinatura plena do jornal, em papel ou digital. "A ideia é oferecer um elenco de serviços diferentes", disse Mark Thompson, presidente-executivo do jornal. "Isso aumenta o apelo do New York Times' ao torná-lo maior que um só produto."
    O NYT Now, que estará disponível inicialmente como um app para o iPhone, incluirá conteúdos de outras fontes e resumos curtos das reportagens mais longas do jornal, com links para versões mais extensas.
    "São as principais notícias do dia, mas contextualizadas --um briefing matinal, na hora do almoço e no final do dia", disse Thompson.
    O serviço também incluirá a chamada "publicidade nativa": anúncios mostrados em formatos mais próximos aos das reportagens, mas com indicação de que não são peças jornalísticas.
    O jornal também lançou o serviço Times Premier, uma assinatura luxo dirigida aos seus assinantes "mais entusiásticos e envolvidos" e que custará US$ 45 ao mês.
    "Acreditamos que exista a oportunidade de oferecer aos nossos assinantes uma gama mais rica de opções", disse Thompson.
    O jornal conquistou 760 mil assinantes digitais pagos após adotar a distribuição paga de conteúdo, há três anos.
    Folha, 26.03.2014

    Jornal se mantém líder em receita nos EUA: Relatório sobre cenários da mídia mostra que imprensa diária responde por 61% do faturamento do setor de notícias

    Estudo anual do Pew também destaca que organizações digitais vivem 'explosão', com expansão das Redações
    NELSON DE SÁDE SÃO PAULO
    Em seu relatório anual "O Estado da Mídia" nos Estados Unidos, o Centro de Pesquisas Pew informou ontem que os jornais respondem por 61% das receitas do setor de notícias no país.
    O levantamento estima que os títulos originalmente impressos tenham somado US$ 38,6 bilhões dos US$ 63,2 bilhões levantados pelo jornalismo americano em 2013, inclusive telejornalismo.
    Para Rick Edmonds, pesquisador do Instituto Poynter que colaborou com o estudo do Pew, "o peso dos jornais surpreende aqueles que caíram no meme [ideia que se dissemina rapidamente] da indústria moribunda'".
    O que explica esse quadro, segundo ele, é que as receitas com circulação continuam firmes em US$ 10 bilhões, e a publicidade impressa, acima de US$ 17 bilhões.
    "Os jornais se mostram capazes de se recuperar", diz Amy Mitchell, diretora de Pesquisa em Jornalismo do Pew. "Mas continuam se debatendo quando se fala de receita."
    Não só os jornais. "As novas organizações digitais também não têm um modelo de receita para oferecer. Muito do seu dinheiro vem de indivíduos bilionários, de empreendedores."
    Ela anota que "os jornais deram vários passos nos últimos dois ou três anos, com cobrança on-line, conferências, serviços de marketing on-line, um mix que ajuda a aliviar a pressão da queda na publicidade impressa".
    PODER DE REPORTAGEM
    Por telefone, de Washington, sede do Pew, Mitchell afirma que a novidade no relatório de 2014 é a "explosão" das novas organizações digitais, com o crescimento das Redações de "Vice", "BuzzFeed", "Gawker" e outros.
    Os sites "estão reunindo mais poder de reportagem, em muitos casos com jornalistas saídos de veículos tradicionais, que são combinados a pessoas que entendem como a tecnologia funciona".
    Tendo a internet como base e "escrevendo em inglês", essas novas organizações noticiosas teriam maior potencial de penetração internacional, levando à retomada na contratação de correspondentes estrangeiros.
    "Isso é algo que não víamos havia muitos anos nos EUA", diz. "O que tínhamos era uma retirada, menos presença internacional, sucursais sendo fechadas, nas organizações tradicionais."
    Ela diz que veículos originalmente britânicos, como o jornal "The Guardian" e a televisão BBC, "agora estão consistentemente entre os sites de maior audiência nos EUA", confirmando um quadro geral de "oportunidade para informação internacional".
    Em contraponto à euforia com as organizações digitais, Mitchell acrescenta que, "se você olhar com atenção, verá que o impacto no jornalismo americano como um todo ainda é muito pequeno, em termos de repórteres e do total de dólares que arrecada".
    Folha, 27.03.2014

    terça-feira, 18 de março de 2014

    Marcas deveriam liberar comentário negativo nas redes

    ARENA DO MARKETING - HUGO RODRIGUES
    Vice-presidente da Publicis afirma que empresas não devem temer críticas e que controvérsia estimular a adesão dos fãs
    MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
    O publicitário Hugo Rodrigues, vice-presidente de operações das agências Publicis, defendeu, durante a segunda rodada do Arena do Marketing, que as empresas se apresentem de forma mais transparente nas redes sociais, sem mediação de comentários negativos.
    "As marcas não deveriam ter medo das críticas, mas sim da indiferença", diz Rodrigues. "Achar que você vai entrar na rede sem receber nenhuma crítica é utopia. Claro que a marca tem que ter mais vitórias do que derrotas, mas nem Deus é unânime. Seria mais saudável, para as marcas, permitir as críticas."
    Rodrigues foi o segundo convidado do Arena do Marketing, evento mensal organizado pela Folha em parceria com a faculdade ESPM. O programa é voltado para debater as mudanças no universo da publicidade no Brasil.
    Para Rodrigues, quando as empresas se abrem para as críticas, elas dão espaço para defensores reais. "Tem muita gente que se dói por uma marca", diz ele, que considera que em mercados mais maduros, como a Europa e os EUA, as companhias são mais abertas a comentários negativos de consumidores.
    "No Brasil, temos um lado meio provinciano, tomamos tudo para o lado pessoal. Mas temos de ver que o cara está criticando, mas está ali, engajando com a sua marca." Ele diz, contudo, que não vê, no Brasil, marcas considerando a possibilidade de não ter mediador nas redes sociais.
    Mediado pelo jornalista Morris Kachani, o bate-papo foi gravado ontem no estúdio da ESPM, em São Paulo, e contou com a presença do coordenador do curso de comunicação social, Paulo Roberto Cunha.
    CLASSE C
    Rodrigues falou também sobre a comunicação para a nova classe C. "Vivemos num país que prefere Lepo Lepo' a Chico Buarque e isso tem que ser respeitado."
    Na sua opinião, a publicidade voltada para a classe C é necessariamente mais simples, pois há um problema sério no país de analfabetismo funcional (quando há dificuldade de interpretar textos).
    "Se você simplifica a mensagem, você conversa com todo mundo. Mas você também empobrece a comunicação, e a criatividade sofre."
    Para Rodrigues, a publicidade precisa informar e ajudar as pessoas a fazer escolhas. "Quando você tem múltiplas escolhas, fica mais vulnerável a outros impactos. E uma comunicação que fala de uma promoção, de um produto que traz vantagens, pode ser útil."
    A necessidade de falar com a classe média explica, na sua avaliação, a presença maciça das celebridades nos comerciais. "Elas estão em todos os comerciais. Por quê? Porque todo o mundo gosta de fofoca. Todo o mundo, em algum momento, pega uma revista de celebridade, nem que seja escondido no banheiro. Temos de respeitar o gosto do consumidor."
    Na sua visão, as marcas precisam entender melhor o consumidor, seus gostos e preferências. "As marcas, as agências e os clientes ouvem muito pouco o consumidor real, pois quem comanda as empresas e as agências têm gostos muito diferentes do gosto do consumidor", diz.
    "Não conheço ninguém que assiste a Zorra Total', mas é um programa de audiência altíssima. Temos de sair das grandes capitais e ir para a Feira de Dourados (MS), que é frequentada por gente muito rica e simples."
    Folha, 18.03.2014

    Francisco, 1

    NIZAN GUANAES
    Bergoglio já é um símbolo do executivo moderno e, sem nenhum demérito nisso, um exímio homem de marketing
    Jorge Mario Bergoglio, no próprio dia de sua transformação em papa Francisco, mostrou ao que veio. Em 24 horas, com foco, simplicidade e comunicação, desemparedou a Igreja Católica num dos momentos mais difíceis de sua história.
    Um ano depois, segue o caminho da modernização, conquistando força dentro e fora da igreja para realizar a tarefa monumental que se impôs.
    É uma das grandes lições em curso do management mundial. Um processo público de transformação de uma das maiores, mais importantes e mais veneradas instituições do planeta, com cerca de 1,2 bilhão de fiéis (o mesmo número de usuários do Facebook).
    Azarão no conclave que o elegeu papa, Francisco não fez pesquisas nem testes para adotar a nova linha que quer dar à igreja. Foi intuitivo, consultou a alma. Como toda grande lição de gestão, esta é também uma grande lição de marketing.
    Antes mesmo de aparecer na sacada do Vaticano como papa, ele recusou as vestes rebuscadas e optou pela simplicidade. Encontrou sua mensagem no DNA da igreja e usa todos os recursos do marketing para transmiti-la.
    Mudou das vestes ao discurso, dos sapatos à postura, do carro à moradia. Veio anunciado por um sinal de comunicação ancestral, a fumaça branca, mas, ao completar seu primeiro ano papal, usou o Twitter para dizer aos seus mais de 3,5 milhões de seguidores: "Por favor, rezem por mim".
    Francisco sabe do enorme desafio pela frente e usa a comunicação 360 graus, desde o primeiro dia, para explicar sua missão e conquistar apoio.
    Começou pelo nome. Francisco. Uma palavra rica de significados num mundo carente de significados, um freio de arrumação não só na Igreja Católica mas na sociedade a quem deve guiar.
    E não adianta só trocar os sapatos vermelhos da Prada por sapatos pretos mais simples, isso precisa aparecer. Não adianta só trocar o papamóvel luxuoso por um sedã popular usado pela classe média global, é preciso divulgá-lo. Afinal, comunicar sempre foi o papel da igreja. Para isso foram escritos o Velho e o Novo Testamento. Jesus disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho".
    A mídia adora Francisco, especialmente a americana. Foi o primeiro papa na capa da revista "Rolling Stone", escolhido o homem mais elegante do mundo pela "Esquire" e eleito Pessoa do Ano pela "Time", nesta última derrotando o espião-delator Edward Snowden, o que levou alguns cínicos a dizer que a revista optou pela figura capaz de vender o maior número de exemplares, dada a enorme popularidade de Francisco --inclusive entre não católicos.
    É nesse mundo cínico, midiático e ultraescrutinado que Francisco conduz a igreja. Um mundo segmentado, com clivagens cada vez mais distintas da tradição católica. Um mundo saturado de apelos e estímulos. Não é mais o mundo da fé, mas o mundo dos registros, no qual, como definiu um dos fundadores do Google, é impossível apagar a história.
    Nessa conjuntura terrena e movediça, Francisco opera seus milagres. Tocando sua trombeta no Twitter e tirando "selfies" na praça São Pedro, reúne forças para levar a igreja de volta ao centro e minar tradições rígidas que afastam alguns dos melhores fiéis.
    Quando pediram a Francisco que se posicionasse sobre o homossexualismo, respondeu com um já célebre: "Quem sou eu para julgar?".
    Em um ano, sustentando discurso com prática, o papa convocou discussões sobre divórcio, uso de anticoncepcionais, união gay e métodos de contracepção; criou comissão sobre o abuso sexual de menores; adotou medidas para aumentar a transparência e a eficiência das finanças do Vaticano.
    Como líder exemplar, age conectado aos anseios e ansiedades de seu rebanho, ou, em linguagem corporativa, de seus "stakeholders".
    Por isso mesmo, Bergoglio já é um símbolo do executivo moderno e, sem nenhum demérito nisso, muito pelo contrário, um exímio homem de marketing. Transformou de forma fulminante a imagem de uma instituição ancestral, transportando-a dos palácios do Vaticano para o meio da rua.
    Como todo bom executivo, ele sabe que é do chão da fábrica que se sustenta uma organização.
    Folha, 18.03.2014.

    quarta-feira, 12 de março de 2014

    Campanha eleitoral antecipada na internet

    HÉLIO SCHWARTSMAN
    SÃO PAULO - Um pouco por causa dos avanços tecnológicos, um pouco porque a regra já foi concebida para não funcionar, a Justiça Eleitoral enfrenta o dilema sobre o que fazer com a chamada propaganda eleitoral antecipada na internet.
    Pela letra da lei nº 9.504/97, qualquer propaganda em qualquer meio de comunicação está proibida até o dia 5 de julho. Violações à norma acarretam multa ao responsável pela veiculação e ao candidato, se se provar que ele teve conhecimento prévio.
    Se os magistrados forem rigorosos, dezenas de páginas precisariam ser retiradas da internet. O problema é que fazê-lo pode eventualmente significar uma violação ao princípio constitucional da liberdade de expressão. São tudo, menos inequívocas, as fronteiras entre a propaganda e a legítima manifestação de uma opinião política por um cidadão.
    Se, num mundo sem internet, ainda era possível tentar distinguir as duas coisas por elementos materiais como a contratação de inserções publicitárias e a confecção de cartazes e santinhos, isso se tornou infactível com o advento da rede de computadores. Se quisermos complicar mais as coisas, daria para discutir se magistrados brasileiros têm jurisdição sobre sites e plataformas hospedados no exterior (eu entendo que não).
    Essa situação só escancara o equívoco que é a tendência de nossos legisladores de hiper-regular. É claro que existem assuntos complexos que demandam ordenamento técnico detalhado. Eleições, entretanto, não estão nessa categoria. É até meio ridículo que a 9.504 desça a minúcias como definir o tamanho máximo da pintura eleitoral que eu posso pintar no muro de minha casa. São 4 m2.
    Fica a impressão de que por aqui se toma o detalhismo legislativo como sinônimo de reforçar a institucionalidade, quando, na verdade, o melhor caminho para fazê-lo é elaborar regras fáceis de compreender e que dependam o mínimo possível de fiscalização para funcionar.
    Folha, 12.03.2014
    www.abraao.com

    segunda-feira, 10 de março de 2014

    Dinheiro já está fluindo de volta para o jornalismo X ou + mídias sociais?

    ENTREVISTA DA SEGUNDA STEVE COLL
    Diretor de uma das melhores faculdades do mundo, na universidade Columbia, diz que época é de desafios, mas futuro é promissor
    RAUL JUSTE LORESENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
    Famoso por best-sellers que investigaram mundos muito fechados (CIA, Exxon Mobil, a família Bin Laden), o jornalista Steve Coll, 55, da revista "The New Yorker", assumiu a direção da Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia, uma das melhores do mundo na área, "em tempos de desafio para a mídia". "Mas sou um grande otimista", completa.
    Para ele, a recessão nos EUA já acabou e há muitos novos investimentos em mídia a caminho. E uma cada vez maior consciência de que o jornalismo de qualidade "é caro, mas fundamental para a democracia".
    Crítico de redes sociais como o Facebook, ele saiu da rede social "porque o contrato entre a empresa e os usuários é muito confuso" e "esses espaços comerciais não podem substituir os espaços públicos".
    O diretor da Columbia recebeu a Folha em seu escritório, onde falou ainda sobre os investimentos de Jeff Bezos, da Amazon, no "Washington Post", jornal do qual Coll foi editor por uma década.
    -
    Folha - O sr. se diz otimista com o jornalismo. Por quê?
    Steve Coll - A recessão nos EUA acabou, então as receitas de jornais, revistas e TVs não estão caindo como durante a recessão.
    Há um enorme boom de investimento em mídia. Tanto em Nova York quanto no Vale do Silício, está todo mundo atrás do novo "Buzzfeed", que, por sua vez, está contratando correspondentes no exterior.
    Por último, há um reconhecimento cada vez maior, por parte de quem preza a democracia e valoriza o bom jornalismo, do seu valor.
    É nesse mundo que está Pierre Omidyar e sua iniciativa de nova mídia, "First Look", e várias ONGs que patrocinam jornalistas e investigação. Cada vez há menos dúvida da importância do jornalismo para investigar políticos, trazer a prestação de contas e transparência dos órgãos públicos.
    O sr. é otimista quanto ao financiamento do jornalismo também?
    Há um desafio quanto ao financiamento do jornalismo e os jovens jornalistas terão que inventar suas carreiras de forma mais empreendedora. Terão que mudar de patrão mais frequentemente. A minha geração é a última dos servidores públicos do jornalismo.
    Mas há modelos bem-sucedidos por aí. A revista "The Atlantic" fez um transição muito bem-sucedida do papel para o digital e o "Buzzfeed" já conseguiu transformar sua audiência em receita.
    E o jornalismo na TV paga aqui é imensamente lucrativo, basta ver os lucros da Fox News, da MSNBC, e da Bloomberg. Elas podem bancar várias estratégias em novos meios.
    O editor do site "Buzzfeed", Ben Smith, diz que as redes sociais se transformaram na nova "primeira página" dos jornais, que é onde se informam os leitores. O sr. saiu do Facebook dizendo que ele é confuso. Perdem os leitores?
    O papel do editor de jornal ou da TV é de tomar decisões profissionais. Fazer um mix do que é importante, do que é divertido, do que é local e global. Essas discussões nem sempre servem ao leitor, mas não há dúvida de que temas sérios de investigação ou reportagens de assuntos globais tinham seu espaço.
    Eles seriam negligenciados se tratássemos a primeira página como uma disputa de voto popular, do que é mais pop. Todas as Redações profissionais estão no Twitter, e elas estão usando seu pensamento de primeira página no site. Já o Facebook é muito poluído pelo comércio.
    O sr. anunciou sua saída do Facebook no seu blog na "New Yorker" como "um exercício de cidadania". Poderia explicar melhor?
    Decidi sair em 2012 e não sinto falta nenhuma. O Twitter é mais sob medida às minhas necessidades. Não me sinto tão explorado quanto no FacebookEu li o contrato e as regras do site e tudo me pareceu muito pretensioso, escrito como uma Constituição, mas de um Estado do qual eu não gostaria de ser cidadão.
    Muitos usuários parecem não se importar com o uso de seus dados para fins comerciais.
    Muita gente não se importa com essa praça pública porque não está sob risco de vida ou de atrair violência por suas opiniões, ou não está tão preocupada com sua privacidade ou o uso comercial dela.
    Eu gostaria de ver mais consciência pública de que esses espaços comerciais não podem substituir os espaços públicos de debate.Seria como um shopping center substituir a calçada ou a praça.
    O sr. foi o número 2 do "Washington Post" por uma década. O que sabe das mudanças no jornal desde que foi comprado por Jeff Bezos, dono da Amazon?
    Do que escuto de amigos e colegas, o começo da gestão Bezos é bem positivo. Ele manteve o editor-executivo, Marty Baron, que é forte, um bom sinal para a Redação.
    Ele disse aos repórteres "vocês não vão escutar nada de mim, vocês já têm um editor". E ainda houve anúncios de vários investimentos, contrataram bons nomes para a Redação, reforços na equipe.
    Ainda é difícil saber a visão dele para o jornal, mas ele tem dinheiro e pode usar seus talentos para os problemas do negócio, pode trazer soluções sobre como usar dados e incrementar o varejo, o que ele fez na Amazon.
    Tanto Chelsea Manning [militar que divulgou informações confidenciais pelo Wikileaks] quanto Edward Snowden [ex-analista de inteligência que divulgou informações sobre espionagem nos EUA] preferiram fazer suas revelações a jornalistas e meios de comunicação no exterior. Diferentemente de Daniel Ellsberg, que entregou seus papéis do Pentágono ao "New York Times" e ao "Washington Post". A nova geração não acredita na imprensa americana?
    Manning estava atraído pela promessa de transformação radical do Wikileaks e ele não podia se aproximar facilmente de jornalistas.
    Acho que Snowden pensou mais em como editar e controlar a divulgação e buscou algo intermediário, Greenwald, um colunista do "The Guardian", e um jornalista do "Washington Post". A decisão diferente foi revelar sua identidade logo de cara.
    O que mudou mesmo foi como a informação se tornou facilmente portátil para um delator. A maior dificuldade para Ellsberg foi como circular aquela papelada toda. Hoje tudo cabe em um pen drive.
    O sr. escreveu em seu blog que a elite americana desprezou as denúncias de Snowden "porque todo mundo espia todo mundo".
    Entre as deficiências que ficaram evidentes após as denúncias de Snowden é que há uma falta de julgamento político sobre as operações de inteligência e que a NSA estava complacente e arrogante, presumindo que a espionagem nunca seria revelada.
    A CIA, muito acostumada a vazamentos, faz revisões anuais sobre suas operações. "E se esta operação for descoberta e exposta, vale a pena ser feita?", eles sempre calculam o prejuízo político.
    A NSA parece que nunca julgou se grampear o celular da Angela Merkel valeria a pena. O estrago político é muito alto, só valeria se um líder estrangeiro é suspeito de complô. Insultar aliados ou países amistosos cria custos maiores que os benefícios.
    O sr. também escreveu que Obama talvez não soubesse da escala da espionagem. É possível?
    A historia é cheia de conselheiros que não informam os presidentes, então eles podem negar sem culpa. Se mostram a ele um relatório sobre uma alta autoridade alemã que estava conversando com Putin e disse isto e aquilo, só pode ser a Merkel, claro, mas vamos fingir que não sabemos. É como o mundo funciona.

    terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

    Fumaça e fogo: Ao banir a venda de cigarros, a rede de farmácias CVS abriu mão de bilhões; mas deu passo na direção certa

    NIZAN GUANAES
    A decisão da rede de farmácias americana CVS Caremark de não vender mais cigarros em suas 7.600 unidades espalhadas pelos EUA a partir de outubro acendeu um debate importante sobre o novo papel das empresas no mundo que estamos construindo.
    As empresas agora ganham dinheiro com o que elas fazem e também com o que elas não fazem. É fundamental ter uma mentalidade moderna, contemporânea. Cuidar de toda a cadeia de produção e de toda a cadeia de consumo como etapas fundamentais da sua atividade. Como seu produto é descartado pode ser tão importante quanto como ele é fabricado.
    A CVS, ao banir os cigarros de suas lojas, abriu mão de receitas estimadas em até US$ 2 bilhões por ano declaradamente em nome da saúde de seus clientes.
    "Temos cerca de 26 mil farmacêuticos e enfermeiras ajudando nossos clientes a lidar com problemas crônicos como pressão alta e doenças cardíacas, todos eles ligados ao hábito de fumar", disse Larry Merlo, presidente-executivo da CVS.
    "Encerrar as vendas de cigarros em nossas lojas é o correto para os nossos clientes e para a nossa companhia. A venda de cigarros não combina com os nossos propósitos", completou o líder da CVS, uma empresa listada na Bolsa de Valores de Nova York.
    Onde não há fumaça, há fogo. Nos dias seguintes ao anúncio da perda bilionária de receita, as ações da companhia subiram cerca de 5%.
    Existe também uma explicação de posicionamento nessa movimentação. A CVS quer evoluir de uma rede de lojas de varejo com foco em saúde para uma rede de miniclínicas de saúde e beleza, modelo que considera mais atraente para o futuro dos seus negócios. Como explicou outro executivo da empresa em conferência com analistas de mercado, a decisão de banir a venda de cigarros é uma forma de aumentar a conexão com os consumidores e fomentar sua lealdade à marca CVS.
    Os puros de sempre dirão que isso tudo é puro marketing. Estão de certo modo certos. E essa é a grande beleza. Que bom que bom marketing hoje signifique também eliminar a venda de produtos lucrativos para a companhia, mas danosos à comunidade.
    O Google, ícone da nossa era, tem como lema informal "don't be evil" (não seja mau), embora, claro, seus concorrentes discordem. Cada vez mais e mais empresas entendem seu papel social e o exercem de forma transformadora dentro dos seus limites.
    As empresas serão sempre empresas. Não são nem podem ser ONGs. Elas têm compromissos com seus acionistas e precisam dar bom retorno ao capital nelas aplicado. Essa é sua primeira missão e também a sua força matriz.
    Mas tenho falado constantemente nesta coluna sobre a necessidade de as empresas buscarem, além do lucro líquido, o orgulho líquido. Se, contabilizado o lucro líquido, não sobrar orgulho líquido, no futuro pode não sobrar nada. E criar orgulho é muito mais difícil do que criar lucro.
    A decisão da gigante de farmácias norte-americana de banir os cigarros em suas lojas e assumir perda de bilhões em vendas é um marco nessa direção de mão única para as empresas prosperarem no século 21.
    O desafio dos melhores lucros dentro das melhores práticas vai impulsionar empresas e inovações. Como tudo e todos, a publicidade também está sendo chamada às suas responsabilidades. E o que me anima muito é que o novo marketing é o instrumento talhado para acessar, liberar e conduzir o potencial social natural que existe em toda empresa.
    Tanto que o gesto da CVS teve enorme repercussão. Foi saudado por autoridades médicas e lideranças políticas. Até o presidente Barack Obama fez questão de elogiar:
    "Como uma das principais redes de varejo e de farmácias da América, a CVS dá um exemplo formidável. Essa decisão ajudará nos esforços para reduzir mortes relacio- nadas ao fumo, ao câncer e às doenças do coração, assim como redu- zirá os gastos com saúde", disse comunicado do presidente divul- gado no mesmo dia do anúncio da empresa.
    O elogio presidencial pode ter custado US$ 2 bilhões à CVS, mas eu tenho a impressão de que valeu cada centavo.